Alfred Brendel (1931-2025) na ilha deserta
- cursinoana
- 19 de set.
- 2 min de leitura
Bootlegs com outtakes, entrevistas e playlists de músicos que admiro sempre tiveram espaço no lado cultura-pop-cria-da-MTV-e-fóruns-da-internet que me habita.
Dito isso, o Desert Island Discs, talvez um dos programas mais antigos que existem (roda na BBC desde 1942!!) é uma joia. O formato mistura entrevista com uma seleção de gravações feitas pelo entrevistado, entrando naquela brincadeira tradicional do "o que você levaria pra uma ilha deserta".
Há dois programas com o Alfred Brendel, um de 1971 e outro de 2013. No mais antigo ele faz uma seleção ampla, que vai desde os Madrigais do Gesualdo (! "compositor que deveria ser mais conhecido") até os Prelúdios de Chopin interpretados pelo Cortot ("ele traz um caráter próprio para cada miniatura, faz parecer um improviso").
No programa de 2013 há uma clara predileção pelo canto. Ele escolhe árias de Haydn e Mozart, além das Canções de um Viajante, de Mahler, interpretadas pelo Dietrich Fischer-Dieskau, parceiro de câmara dele.
Falando em parceiros, Edwin Fischer, professor dele, está em ambas as seleções tocando Bach. Na primeira, o Prelúdio em si menor do livro 1 do Cravo, super textura non legato nas sequências ascendentes do baixo, coisa de ourives mesmo, e um cantabile muito bonito na mão direita. Aquele "simples" que dá um trabalho de vida inteira... E na segunda seleção Brendel escolhe o movimento lento do Concerto em fá menor, outro exemplo, segundo ele, "de cantabile no piano".
Nos 42 anos que separam os dois programas parece que o Brendel se debruçou sobre o canto como pesquisa pra interpretação dele. O método de aprendizado ele conta no programa de 2013: "Eu tentei aprender as peças, captar as mensagens das peças. E procurei ouvir regentes e cantores. Essa foi a informação mais importante para mim. E deveria ser também para qualquer pianista". Precisava inflar mais o ego dos cantores, Brendel? Brinks.
E ele também perde a vergonha de indicar música moderna. No de 71, diz brevemente que gosta da música do século XX, mas não indica. No de 2013, aparece na seleção o Trio de cordas do Schoenberg, "uma obra prima".
Bonito é ver também como algumas coisas permanecem nos dois programas. O quarteto op.131, de Beethoven, interpretado pelo Quarteto Busch (gravação de 1936), é uma dessas coisas. De fato, uma obra que dá muito pano pra manga, ou "a lot to chew on", como diz o Brendel no programa de 1971. Tanto que, depois de mais de 40 anos, permanece na playlist.
O lance agora é montar a playlist e ouvir, né? Difícil é encontrar as interpretações que ele indica nos programas, sobretudo as mais antigas. Mas vale a pena.
No áudio parco deste post da rede que valoriza tudo menos música, está parte do trecho final do segundo movimento da op.111 do Beethoven. Essa pelas mãos do Brendel, seleção minha.
Putz, quanta coisa pra aprender ainda! Valeu, Brendel!
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